O ELEFANTE NA LOJA DE LOIÇA OU OS HOSPITAIS EM COIMBRA
Há nove anos Coimbra
tinha dois Hospitais Gerais Centrais, o HUC e o CHC, que eram também os
Hospitais Centrais referência da Região Centro. Estabelecido que por cada
800.000 utentes deve haver um Hospital Central, a nossa Região terá de ter pelo
menos dois, eventualmente três, nos seus 2.300.000 habitantes. Sediados que
eram dois em Coimbra, por todo o know-how em Saúde concentrado na
cidade, na sua Universidade – a segunda maior do país – e nas múltiplas
instituições ligadas ao ensino e à investigação naquela área, que a tornam
incomparável na Região Centro.
Corria tudo bem quando
o governo, sem qualquer razão aparente ou, ainda menos, estudo feito, resolveu
fundir os dois Hospitais Centrais num centro hospitalar, o CHUC. Que não saiu realmente um centro hospitalar,
mas sim um hospital único dividido por vários edifícios separados por
quilómetros. Num momento inicial ficou o maior hospital do país, mas
rapidamente começou a diminuir de tamanho, quando se começaram a acumular
serviços num edifício, o do HUC, com a sua saída dos outros. O Hospital dos
Covões, esvaziado de várias especialidades, continuou, no entanto, a funcionar
como hospital, integrando mesmo alguns centros de referência do CHUC entretanto
criados. Mas é claro que o efeito negativo da ausência de apoio das várias
especialidades deslocalizadas para o outro lado do rio, e aí acumuladas com
manifesta redução do seu rendimento, se foi tornando por demais evidente, e por
isso se esperava, logicamente, que a situação fosse revertida, para bem dos
dois Hospitais e dos respectivos doentes.
Eis senão quando
aparecem duas administrações do CHUC, formadas por nomeados para o cargo alguns
não conhecendo nenhum dos hospitais envolvidos, e a maioria não conhecendo de
todo o Hospital dos Covões, ao ponto de nunca lá terem ido (!), cujo objectivo
depressa se revelou: reduzir o CHUC ao HUC. E, assim, o Hospital dos Covões foi
rapidamente sendo esvaziado dos profissionais e dos Serviços que ainda tinha,
para se irem juntar no HUC com os que já lá estavam. Para, depois disso, fazer
das suas instalações “qualquer coisa”… que até pudesse eventualmente vir a satisfazer
a ânsia de protagonismo profissional dalgum elemento do CHUC…
Mas rapidamente se
tornou evidente que o HUC não se bastava a si próprio, e que, por mais profissionais e doentes que
lá se quisessem meter, a sua capacidade de resposta não era infinita, e estava
há muito ultrapassada, com a espera por atendimento e as listas de espera para
tudo e mais alguma coisa a aumentarem a olhos vistos. Entrou-se, então, na fase
de saber o que fazer “daquilo” (o Hospital dos Covões, um dos Hospitais Gerais
Centrais da Região Centro e de Coimbra), para que pudesse “dar uma mãozinha” ao
HUC. Ser Hospital é que não… porque,
para esta administração, Hospital é só um, o HUC e mais nenhum…
Nesta fase apareceu a
pandemia de covid-19, e o Hospital dos Covões foi transformado no hospital de
referência para a epidemia. Com tudo a correr bem, cuidados intensivos
respiratórios e coronários, imagiologia (TAC e RMN), medicina interna, pneumologia,
infecciologia, nefrologia, cardiologia, laboratório, hemodiálise, camas de
internamento de novo utilizadas. Passada a primeira onda, e não esperando pela
segunda, nova tentativa de “reconversão” do Hospital em “qualquer coisa”. E
surgiu uma amálgama instável de consultas e de valências, desgarradas, sem
relação com os serviços de internamento, a maior parte deles reduzidos ao
edifício do HUC, a oito quilómetros de distância. E introduzidas e alteradas numa
verdadeira “dança”, mudando quase a cada semana, até de localização no próprio
edifício do Hospital (!), e de profissionais a elas adstritos, em negação
absoluta do que deve ser uma equipa de saúde, ou para a destruir…
Enfermarias
desocupadas, camas vazias. Sem Pneumologia, sem Infecciologia. Laboratório de
Hemodinâmica a funcionar, enfermaria de Cardiologia fechada, vazia de camas,
Unidade de Cuidados Intensivos Coronários desactivada. Hemodiálise aberta,
Serviço de Nefrologia fechado. Serviço de Urgência aberto, mas apenas com
Medicina Interna, doentes cirúrgicos de urgência a ser operados no HUC. Salas
operatórias fechadas no bloco central, salas apenas para cirurgia de ambulatório,
num bloco operatório próprio, que é único no CHUC, realmente. Projecto de cirurgia digestiva diferenciada (cirurgia
de obesidade), mas a ser desenvolvido onde deixou de haver Gastroenterologia e
endoscopia digestiva (“concentradas” no HUC). Com os Cuidados Intensivos polivalentes
a planear ser encerrados. E, no meio disto tudo, de novo hospital de referência
para a covid-19.
É evidente que esta
manta anárquica e inconsistente de retalhos, à medida do que “o outro” necessite,
não é um Hospital, nem se reveste de qualquer eficácia, e muito menos
eficiência. É um gasto despropositado de esforço dos profissionais envolvidos e
de dinheiro dos contribuintes, incluindo os utentes do Hospital dos Covões, que
tanta falta sentem dele e tanto se têm esforçado, em manifestações de rua
(cinco), grupos no Facebook (três), petições à Assembleia da República (duas),
para que ele volte a ser o que era, nove anos de sofrimento na saúde depois.
Isto a que se assiste é um desnorte total na utilização do que quiseram que
deixasse de ser um Hospital, e que se mostrou à saciedade que tem de ser. É o resultado
duma intervenção desajeitada na Saúde da cidade de Coimbra e da sua Região, qual
elefante irrompendo numa loja de loiça e partindo tudo, com quase
desmantelamento dum Hospital e uma agressão violenta ao outro, assoberbado com
trabalho, atafulhado de doentes e de profissionais mas sem possibilidade de dar
mais e melhor resposta, e com redução da sua capacidade de investigação e de
ensino, hospital universitário que tem de ser. Aliás, esse bloqueio de um por
excesso de solicitação, e a redução de meios do outro por esvaziamento,
convergiram já na saída de muitos profissionais, sobretudo de alguns com mais
vontade de realização profissional numa instituição que o permita e o estimule.
Um Hospital Geral
Central apenas não chega, já foi reconhecido, mas já se sabia. Restitua-se a
autonomia ao Hospital dos Covões. Tão
simples como isso. Simples, rápido e barato: o Hospital só precisa duma
administração própria e que os profissionais que foram levados a sair dele voltem.
E voltarão sem dúvida, para um projecto que sempre foi aliciante para todos,
para os profissionais e para os doentes. Voltarão quando a acção do elefante deixar
a loja em paz.
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