quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

              UMA HISTÓRIA CONTADA A PROPÓSITO DOUTRAS HISTÓRIAS,

OU A SUPERESPECIALIZAÇÃO GLOBAL

Durante um bom número de anos o senhor Sarmento (nome fictício) foi lá a casa, no início de cada Inverno, fazer a limpeza e afinação da caldeira a gasóleo do aquecimento central e, ao mesmo tempo, verificar o funcionamento do sistema complementar e integrado de aquecimento por painéis solares. Sem problemas, com eficiência, tornou-se o nosso técnico habitual nessas áreas, quer naquela intervenção de rotina quer nos ocasionais episódios de desregulação ou mau funcionamento daqueles dois sistemas. Com o senhor Sarmento. assunto resolvido no que respeita a aquecimento da casa.

Mas desta vez, este ano, o senhor Sarmento, doente e de cama, segundo nos informou, e não sabendo quando poderia voltar ao trabalho, fez o favor de nos indicar um jovem técnico, duma outra empresa dedicada a esse tipo de trabalho. O dito técnico apareceu e limpou e afinou a caldeira. Naturalmente pedimos-lhe, quando deu esse trabalho por concluído, que fizesse a verificação habitual do sistema de painéis solares. Ah não, isso não podia fazer, porque não era a área dele, não sabia, essa teria de ser realizada por um outro colega lá da empresa dedicado especificamente a esse trabalho. E, enquanto o senhor Sarmento levava cinquenta euros, ele levou setenta. O que nós compreendemos: afinal ele é especialista, só sabe mesmo daquilo, e o Sarmento não… E também compreendemos que se o Sarmento deixar de trabalhar ou, pior ainda, deixar de existir, passaremos a precisar de dois especialistas para o substituir, a setenta euros cada um.

É óbvia a comparação possível desta situação com outras situações e outras profissões também com instituição duma superespecialização crescente, ou uma grande fragmentação do conhecimento. Evidenciando todas elas que a delimitação cada vez mais estreita das áreas especializadas, com a consequente multiplicação do seu número, multiplicará também o número total de especialistas necessários, assim como aumentará os custos com o pessoal especializado. O que não é com certeza despiciendo nas áreas de actividade em que dois problemas fulcrais sejam falta de profissionais e falta de verba.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

                                                  PODIAM AVISÁ-LO?...

A propósito da discussão da Petição para Devolver a Autonomia ao Hospital dos Covões.

A história é simples. Coimbra teve durante 40 anos dois Hospitais Centrais que, sem terem exactamente as mesmas valências, eram ambos Hospitais Gerais, e como tal assistindo as populações de Coimbra e da Região Centro, num total de cerca de dois milhões e trezentas mil pessoas. Cada hospital central deve ter na sua zona de influência à volta de oitocentos mil utentes, que foi o que esteve destinado ao Hospital dos Covões nesse período de tempo. A existência de outros hospitais grandes nessa sua zona de influência nunca tornou o seu apoio desnecessário, nem sequer pouco necessário, antes o oposto, para mais quando uma super-especialização criada na medicina e na cirurgia actuais afastou bastantes doentes de poderem ser seguidos em hospitais mais periféricos e com menos recursos.

Os dois hospitais gerais centrais de Coimbra trabalhavam a par e em complementaridade, quer em áreas só existentes num deles quer em áreas comuns, em que a possibilidade de troca de opiniões e a variedade de soluções apresentadas e executadas é um factor de enriquecimento de conhecimentos e de progresso clínico e científico. Numa cidade relativamente pequena, a concentração de escolas de saúde, de hospitais, de laboratórios de investigação, com o correspondente grande número de profissionais de saúde, formados e em formação, de investigadores, de professores, de estudantes, todos interagindo em proximidade uns com os outros, e de doentes procurando auxílio médico, na realidade traduzia a essência duma cidade universitária. Ambos os hospitais colaboravam no ensino pré-graduado e universitário, fornecendo a diversidade que é fundamental numa Universidade.

Eis senão quando, há dez anos atrás, o governo, sem estudo prévio e sem plano de execução, resolveu fundir os dois hospitais gerais centrais em Coimbra, e o CHC e o HUC passaram a ser um único, a que foi chamado centro hospitalar (CHUC). Quer dizer, de dois passou a haver apenas um, já que, como bem se sabe, o Hospital dos Covões foi progressivamente desactivado e esvaziado da capacidade que tinha instalada, levando às dificuldades de resposta clínica do CHUC sobejamente conhecidas de todos, e sentidas por muitos, utentes e profissionais, e que, em última análise, conduziram à Petição em apreço. E que foram reconhecidas e bem expostas por quase todos os deputados que tomaram a palavra na sua discussão no Parlamento, por isso dando razão aos peticionários e concordando com o peticionado: reverter a fusão levada a cabo, “devolver a autonomia ao Hospital dos Covões, como Hospital Geral Central”, para que possa voltar a desempenhar as suas funções enquanto tal. “Pelo direito ao acesso a cuidados de saúde de qualidade, porque o acesso à saúde é um direito e um dever."

Os deputados de seis partidos (PSD, CHEGA, PCP, BE, LIVRE, PAN) apoiaram expressamente a Petição, mostrando conhecer bem as condições de deterioração da Saúde em Coimbra e na Região Centro que da fusão resultaram, e concordando com a reversão desta.

A deputada da IL que interveio, embora compreendendo as razões apresentadas, e os problemas existentes em Coimbra na área da Saúde, e decorrentes da fusão hospitalar, entendeu que, para a sua correcção, haverá que fazer estudos e planos, em vez de simplesmente reverter o que deu origem aos maus resultados evidentes nas instituições hospitalares públicas. Isto é, na verdade a preocupação da Iniciativa Liberal será de avaliar as consequências da reversão da fusão, uma vez que esta não foi má para a iniciativa privada em saúde na cidade.

Mas houve um deputado que destoou destes todos: o do PS. Inesperadamente (digo eu, porque é deputado por Coimbra…), não reconheceu as dificuldades surgidas da redução de dois hospitais a um, falando antes dos investimentos do governo na saúde de Coimbra, dando como exemplo disso a construção de novas instalações dum centro de saúde para substituir as degradadas, e juntando-lhe o projecto de construção duma nova maternidade em cima do já esgotado HUC (com as consequências negativas que daí se esperam, aliás). E teve o desplante de falar nos “objectivos” duma fusão sem estudos nem plano prévios, que, disse ele, pretendia “melhorar a prestação de cuidados de saúde às populações”, quando foi precisamente por levar ao contrário disso que agora se pede que seja revertida! E a desfaçatez de dizer que a redução de dois hospitais a apenas um, com a consequente redução drástica de meios técnicos e humanos, veio contribuir “para a diversificação da oferta e acentuar a importância do ensino universitário e da investigação”!... E quis referir o que de novo se tem feito no Hospital dos Covões (?!), citando o bloco de ambulatório (que já existia antes da fusão, e que por acaso era único em Coimbra, já que o HUC não dispunha de nenhum), o Centro de Sono (com tantos anos de existência e de renome antes da fusão), o Centro de Audiologia ligado aos Implantes Cocleares (quando Implantes Cocleares foi sempre SÓ com os Covões, sem nunca se fazerem no HUC). Com o Serviço de Cardiologia esvaziado de doentes, é verdade que foi criada uma unidade de reabilitação cardíaca. E poderão fazer-se muitas mais coisas, como um lar para idosos ou um centro de dia, mas hospital geriátrico não, seguramente, a não ser que os Covões voltem a ser um hospital, porque agora não são!

Quer dizer, o deputado em questão, numa discussão que se queria séria, na procura da solução para um problema grave que aflige tanta gente na cidade que ele representa na Assembleia da República, limitou-se a repetir frases feitas que os conselhos de administração do CHUC foram propalando, sem se querer inteirar da realidade do assunto ou, pior, deturpando-a, numa intervenção meramente publicitária manifestamente encomendada. Mas mesmo neste desempenho não se preparou bem, não se actualizou na propaganda, já que se esqueceu de referir a celebrada recente “inauguração” da Consulta de Pé Diabético no Hospital dos Covões, que já lá existia há 30 anos!... Mau serviço prestado à cidade e ao partido, cuja Comissão Política local, aliás, apoiou expressamente os peticionários e o peticionado.

Podiam avisá-lo? Ao PS. Mas ao PS nacional, ao de Lisboa, ao que manda nos outros, ao do governo. Ao que se mostra indiferente aos problemas locais, às dificuldades criadas, e aumentadas, e mantidas, por decisões de gestão governamental socialista desajustadas e mal implementadas, por gente que não percebe que as ordens que lhe estão a dar não vão colher bom resultado. Ou, pior, que não colheram bom resultado. E que é preciso verem quando se deve voltar atrás, reverter o que foi mal feito. Sem receio de assumir um erro que já há vários anos é óbvio para todos e que, a ser mantido, vai tornar mais evidente a incapacidade de quem o cometeu e o continua. Podem avisá-lo, por favor? É que esta teimosia, cheia de desculpas mal-alinhavadas, acabou de adquirir uma marca partidária. Contra todos. E contra Coimbra e a Região Centro.

In Campeão das Províncias

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

                                            PETIÇÃO PÚBLICA

"Devolver a autonomia ao Hospital dos Covões (Coimbra). Pelo direito ao acesso a cuidados de saúde de qualidade. Porque o acesso à saúde é um direito e um dever."

Esta Petição Pública vai ser votada na Assembleia da República no próximo dia 30 de Novembro de 2022. Dois anos e meio depois de ter sido apresentada.

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=AUTONOMIADOSCOVOES&fbclid=IwAR16iTcfMJ-jParQwCpA8CgVvOM5RCdUJ2fFgUlcQ9Meemrdwhya94OsrUw

"Desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) pela junção do Centro Hospitalar de Coimbra (onde se engloba o Hospital dos Covões) com o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC), que se tem assistido não a uma fusão mas a uma destruição de um hospital central. Sem qualquer razão assistencial, social, urbanística, científica, ou outra razão aceitável, o Hospital dos Covões tem sido progressivamente desprovido de recursos humanos e recursos materiais, despido de serviços médicos, reduzindo significativamente a capacidade de prestar cuidados de saúde com a qualidade que habituou a população. A centralização de cuidados e serviços médicos não foi solução, apenas trouxe dificuldade no acesso (listas de espera enormes), o “amontoar” de doentes num só hospital sem aparente capacidade de resposta, a redução da qualidade e um risco acrescido para os doentes e profissionais.

Se o Hospital dos Covões já tivesse sido encerrado, o colapso da saúde em Coimbra teria sido muito maior do que foi nesta era COVID. Sim, foi o Hospital dos Covões o epicentro do combate à pandemia em Coimbra. É preciso aprender com os erros de gestão em saúde do passado, para que o presente não se repita no futuro.

É imperativo reverter a "pseudo" fusão do Hospital dos Covões com o HUC, restabelecendo a autonomia e a capacidade que estava há anos instalada naquele hospital central e que resolvia todos os problemas de saúde da população que a ele recorria. Os trabalhadores do Hospital dos Covões estão tristes, desmotivados e revoltados pelo reiterado assédio moral a uma instituição com 47 anos de existência, que é acarinhada por profissionais e doentes. Insistir na continuação desta fusão é continuar a insistir na negligencia de gestão em saúde que se assiste em Coimbra há anos, e num crime contra o direito constitucional do acesso a cuidados de saúde. É um dever do poder político assegurar que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade e atempados num serviço público. Um Hospital dos Covões a funcionar em pleno é essencial para se cumprir esse dever, continuar a destruí-lo é um crime que lesa a pátria.

Por tudo isto e muito mais: Dizemos SIM ao Hospital dos Covões!"

terça-feira, 22 de novembro de 2022

    COIMBRA, A SAÚDE E A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Coimbra é uma cidade universitária há mais de sete séculos, com uma marcada importância da Saúde na sua actividade, e que ainda há uns anos era tão grande que lhe chamaram “capital da saúde”.  A esse nível era dotada de dois dos Hospitais Gerais Centrais de Portugal, o Hospital da Universidade (HUC) e o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC), referência cada um em várias áreas da Medicina e da Cirurgia, e, por isso, atraindo a Coimbra profissionais de saúde, doentes, professores, investigadores, estudantes. E foi desta cidade, com esse peso e esse reconhecimento na Saúde nacional, que dois homens conduziram directamente a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS): o Dr. António Arnaud e o Professor Mário Mendes.

Mas Coimbra não conseguiu manter a riqueza que tinha. Desconsiderada por governantes, aquelas duas instituições coimbrãs sofreram um rude golpe quando foi resolvido que iriam desaparecer, engolidas por uma fusão num chamado “centro hospitalar”… mas dum hospital só! E assim surgiu o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o qual, na prática, mais não passou a ser que o antigo HUC, mas sozinho, sem a presença na cidade do outro, o Hospital dos Covões, parte fulcral do extinto CHC. Esse, progressivamente eliminado como Hospital, desactivado enquanto tal passo a passo, desaproveitada e destruída a sua capacidade instalada, foi transformado numa espécie de nada, que é o que é uma estrutura que vai servindo de muleta ao outro Hospital que, assoberbado com muito mais trabalho e utentes do que tinha, se esforça com dificuldade por cumprir a obrigação que era de dois hospitais centrais públicos. E, por isso, as dificuldades redobradas, o desencanto, os atrasos, as listas de espera, as esperas e as falhas na Urgência, os exames, as consultas e as cirurgias realizados quando podem ser e fora do Hospital… E “inaugurações” nos Covões do que já lá funcionava há muitos anos mais não é que sinal de encerramento dessa actividade no HUC! Quer dizer, redução dos serviços públicos em matéria de cuidados de saúde hospitalares oferecidos aos utentes de Coimbra e da Região Centro.

Essa progressiva desactivação do polo de saúde do Hospital dos Covões, na margem oposta à do HUC, fora do centro da cidade, com espaço para crescer e acessos fáceis, fez concentrar a Saúde no polo HUC, ele próprio também perto doutro Hospital, esse especializado, o IPO. E assim se concentrou tudo em Celas, no meio de Coimbra, com as dificuldades acrescidas de acesso e de estacionamento que se reconhecem há muito tempo. Com o ainda maior agravamento pela projectada construção duma maternidade em cima do espaço esgotado do HUC! Em vez de se manter o que Bissaya Barreto tinha concebido, e conseguido, para a cidade, isto é, dois polos de saúde, um em cada margem, um deles na periferia, que é por onde as cidades crescem, fez-se convergir tudo para um ponto central e sem capacidade de expansão. Como se a real e canhestra intenção fosse atrofiar o que durante anos notabilizou Coimbra no plano nacional, com reconhecimento internacional: a sua actividade em Saúde.

E é o que temos. Mas em 2020, face a esta evolução desastrosa dos cuidados de saúde hospitalares da cidade, surgiu uma Petição “Pela devolução da autonomia ao Hospital dos Covões como Hospital Geral Central - Porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever”, dirigida à Assembleia da República, que a recebeu. Foi discutida e avaliada pela Comissão Parlamentar de Saúde, para o que foram ouvidos dois dos peticionários (por duas vezes), os três presidentes do conselho de administração do CHUC desde a sua criação em 2012, a presidente da ARS Centro e os dois últimos ministros da saúde. Foi depois elaborado pelo relator dessa Comissão um relatório, aprovado por unanimidade, dando razão total ao peticionado, relatório esse que foi apresentado publicamente no jardim do Hospital dos Covões, porque a sua apresentação no auditório do Hospital foi negada pelo actual conselho de administração do CHUC.

E ficou-se à espera da sua apresentação e votação em plenário da Assembleia da República. Que vai finalmente ter lugar no dia 30 de Novembro de 2022. Dois anos e meio depois.

Veremos o que a Assembleia da República, agora com uma maioria absoluta dum partido, pensa e decide sobre a Saúde em Coimbra. Quando é cada vez mais evidente que o caminho certo da Saúde em Coimbra e na Região Centro é o contrário do que foi tomado, e é o que a Petição a votar solicita, AUTONOMIA PARA O HOSPITAL DOS COVÕES COMO HOSPITAL GERAL CENTRAL, porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever:

“Desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) pela junção do Centro Hospitalar de Coimbra (onde se engloba o Hospital dos Covões) com o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC), que se tem assistido não a uma fusão mas a uma destruição de um hospital central. Sem qualquer razão assistencial, social, urbanística, científica, ou outra razão aceitável, o Hospital dos Covões tem sido progressivamente desprovido de recursos humanos e recursos materiais, despido de serviços médicos, reduzindo significativamente a capacidade de prestar cuidados de saúde com a qualidade que habituou a população. A centralização de cuidados e serviços médicos não foi solução, apenas trouxe dificuldade no acesso (listas de espera enormes), o “amontoar” de doentes num só hospital sem aparente capacidade de resposta, a redução da qualidade e um risco acrescido para os doentes e profissionais.

Se o Hospital dos Covões já tivesse sido encerrado, o colapso da saúde em Coimbra teria sido muito maior do que foi nesta era COVID. Sim, foi o Hospital dos Covões o epicentro do combate à pandemia em Coimbra. É preciso aprender com os erros de gestão em saúde do passado, para que o presente não se repita no futuro.

É imperativo reverter a "pseudo" fusão do Hospital dos Covões com o HUC, restabelecendo a autonomia e a capacidade que estava há anos instalada naquele hospital central e que resolvia todos os problemas de saúde da população que a ele recorria. Os trabalhadores do Hospital dos Covões estão tristes, desmotivados e revoltados pelo reiterado assédio moral a uma instituição com 47 anos de existência, que é acarinhada por profissionais e doentes. Insistir na continuação desta fusão é continuar a insistir na negligencia de gestão em saúde que se assiste em Coimbra há anos, e num crime contra o direito constitucional do acesso a cuidados de saúde. É um dever do poder político assegurar que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade e atempados num serviço público. Um Hospital dos Covões a funcionar em pleno é essencial para se cumprir esse dever, continuar a destruí-lo é um crime que lesa a pátria.

Por tudo isto e muito mais: Dizemos SIM ao Hospital dos Covões!”

domingo, 4 de setembro de 2022

                                           A CULPA VEM DE TRÁS, É VERDADE

A ministra da Saúde saiu. Ou pediu para sair, ou vai sair quando o primeiro-ministro a deixar sair, diz que depois de enviar para publicação o novo Estatuto do SNS que elaborou.  

Sai porque obviamente não era capaz de continuar. Já se devia ter percebido isso há mais tempo, muito mais tempo. A pandemia veio facilitar-lhe as coisas, permitindo-lhe dois anos em que as falhas crescentes do SNS ficaram disfarçadas, e até como que justificadas, pela pressão da Covid-19.  A que foi possível dar resposta quando se concentraram todos os recursos da Saúde para tratar uma única doença. Tudo o resto ficou para trás, no que foi um agravamento do que já se passava, mas a que o medo que na altura grassava pelo país tirou importância. Não que não se desse por isso, mas em tempo de guerra não se limpam armas: o que era então necessário era ultrapassar a temida morte pela epidemia, e isso, na verdade, foi feito. Nesse aspecto o SNS funcionou. Foi bom. Devemos estar-lhe agradecidos e, sobretudo, ao enorme esforço dos seus profissionais. Mas o que ficava para trás reapareceu depois, agora, como não podia deixar de ser.

Ministro da Saúde é, sem dúvida, uma função difícil, sobretudo porque diz respeito à saúde das pessoas, e a tratar dela. Se fosse apenas uma função administrativa seria muito mais fácil. Mas não é. E é precisamente o ser o que é que explica fundamentalmente como o SNS durante muitos anos funcionou muito bem com menos recursos e mais entusiasmo de quem trata os doentes, e depois da sua administrativização teve a evolução negativa agora largamente à vista de todos!

Claro que esta é a visão dum médico… E, como também se sabe, esses deixaram de ser centrais no SNS, enquanto mais uma empresa que se encarrega do tratamento de doentes… E que, para isso, apenas dá emprego aos profissionais de saúde que quem foi posto a dirigi-la entender que sejam necessários para os fins definidos por quem manda nela. Nestas condições, não sei como se possa insistir em que “a culpa é dos médicos”…  Seria muito mais útil – do que exigir responsabilidade de alguém que deixou de ser responsável pela empresa! – comparar o funcionamento, e o rendimento, do Serviço Nacional de Saúde em duas épocas diferentes. Digamos, nos primeiros trinta anos com os subsequentes, até ao momento presente.  

Aliás, a agora quase ex-ministra da Saúde disse que “a culpa vem de trás”. E disse bem. Vem de quando, no início deste século, a gestão administrativa dos Hospitais se sobrepôs, e se impôs, à sua gestão clínica, tal como era feita até aí, com o nosso SNS num 12º lugar mundial em 2000, com muito menos gasto do que agora.  Essa administrativização, na verdade, acabou por destruir a parte clínica hospitalar, tornando os clínicos que cumprem a função que justifica a existência dos Hospitais em simples executantes do que os gestores administrativos lhes determinam fazer. Foi esta a diferença que fez a grande diferença entre o que o SNS era e o que é.

O Serviço Nacional de Saúde, em si, continua a ser uma excelente ideia, que já deu provas mais que concludentes da sua capacidade. O que mudou foi o modo como é dirigido. E quem foi posto a dirigi-lo. Porque “os operários” da empresa são os mesmos… Já por muitas vezes, ao longo dos anos, este assunto foi debatido, e pormenorizado, do ponto de vista técnico, enquanto estabelecimentos de Saúde, mostrando as verdadeiras causas das dificuldades encontradas; agora só há a repetir o que foi dito. Mas, infelizmente, o que se vê diariamente no SNS é o agravamento do que está mal. E o que é anunciado, marcando a saída da ministra, vem exactamente nessa mesma linha. Digo eu, que sou só médico. E que tenho receio de ficar doente.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

                        OS MÉDICOS TROCAM O PÚBLICO PELO PRIVADO

(Comentário a uma notícia de jornal sobre o tema)

Não é de modo nenhum de espantar que o sector público esteja a perder muitos dos seus melhores médicos para o privado. As instituições privadas multiplicam-se a olhos vistos, vindo ocupar o espaço deixado vazio pela recessão economicista imposta aos hospitais públicos. Por outro lado, o que se vai passando em muitos dos hospitais EPE não convida realmente a lá trabalhar, e isso sim, é de estranhar, porque se lhes foi criado um estatuto empresarial deveria ser para serem geridos numa lógica de competitividade, e isso implicaria obviamente criar condições para que os melhores lá quisessem trabalhar com gosto e entusiasmo. Mas não, o ambiente gerado por muitos dos conselhos de administração nomeados pelo ministério para esses hospitais foi precisamente o contrário, utilizando o poder que lhes foi atribuído não em prol da instituição mas sim desbaratando-o em nomeações de amigos sem a qualidade necessária, e pior, afastando dos lugares de chefia, por motivo de retaliações e pequenas vinganças pessoais, profissionais de prestígio, com provas dadas e que vinham fazendo a gestão clínica dos seus serviços o melhor possível, cumprindo e ultrapassando até o que estava contratualizado. A passagem a EPE nesses hospitais foi sentida não com entusiasmo mas como uma punição, e uma punição imerecida, o que não ajuda nada à produtividade e ao progresso das instituições.

A desierarquização ostensivamente estabelecida nesses hospitais, por um lado, o corte constante no orçamento para tratar os doentes, por outro, são suficientemente motivadores duma saída dos melhores para outras paragens menos inóspitas.

Em cima disto tudo, o “administrativismo” instalou-se no sector público empresarial, deslocando uma boa fatia do orçamento hospitalar para essa área, com prejuízo óbvio da área clínica. Com a ânsia de ganhar dinheiro – parece ser o único aspecto que foi implementado em muitos dos “empresarializados” – os gestores lá colocados multiplicaram os que fazem contas mas negligenciaram os que produzem, isto é, os que tratam os doentes, o sector produtivo da empresa. Em vez destes serem estimulados, com prémios, com regalias, com mimos, com condições de trabalho melhoradas – como os competidores privados fazem - aqueles portam-se como capatazes e vigilantes, espremendo os trabalhadores para produzir sumo sem laranjas. 

Não sei se era isto o pretendido com esta nova forma de gestão hospitalar, que para levar a esta situação acabou com as carreiras médicas. E este é outro problema de difícil resolução. Mas foi o que foi criado. A verdade é que começam a existir condições para os médicos poderem escolher onde querem trabalhar, onde se querem realizar profissionalmente, e o sector privado, onde já existe em força, está a levar a melhor.

Artigo de 2007, in Farpas pela Nossa Saúde, 2009, MinervaCoimbra