quinta-feira, 17 de setembro de 2020

                     MAIS UMA… ATÉ QUANDO?...


 Mais uma manifestação de rua pela Saúde em Coimbra e na Região Centro, defendendo a autonomia do Hospital dos Covões e a manutenção das suas funções como Hospital Geral Central. Desta vez uma marcha da Praça da Canção até à Praça 8 de Maio, unindo as margens que alguns teimam que o Mondego separe em Coimbra. Uma marcha pelo Hospital construído na margem esquerda, que trouxe a esta cidade e à região uma capacidade e uma notoriedade em Saúde nunca tidas antes, enchendo ao mesmo tempo o coração dos seus utentes, que por ele se continuam a bater, pelos bons resultados e o humanismo no trato. O que fez com que a sua morte anunciada se venha arrastando tanto no tempo, tendo os executores contratados tanta dificuldade em inventar uma desculpa qualquer para o seu desaparecimento enquanto Hospital. Ou, então, dito de forma simples, porque faz uma falta fundamental à Saúde em Coimbra e na Região Centro.

Tantas manifestações populares, nas ruas (já é a quarta) e no Facebook, com uma página dedicada que vai com mais de 35.000 membros; uma petição pública à Assembleia da República com 4500 assinaturas (porque 4000 é o número mínimo para ser aceite, fossem necessárias mais e mais seriam), em apreciação pela Comissão Parlamentar de Saúde e posterior votação em plenário (como já houve duas outras anteriormente); declarações públicas, orais e por escrito, repetidas, das várias forças políticas na cidade, incluindo do partido no governo, bem como de Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, isoladas e em associação; interpelações à ministra da saúde sobre o tema por deputados de partidos da oposição, incluindo componentes da Comissão de Saúde. Tudo no mesmo sentido. Tudo em vão até agora.

Poder-se-á compreender um dia esta indiferença absoluta do ministério da saúde e do governo?! Porque não se trata duma cidade que quer ter mais um pavilhão gimnodesportivo e o governo não pode ceder a essas exigências!… Ou dum problema laboral numa empresa cuja responsabilidade é apenas da gerência… Trata-se dum Hospital Geral Central existente e totalmente equipado e funcionante desde 1973, com provas dadas e qualidade reconhecida, que tratou com eficiência milhares de doentes e formou milhares de profissionais! E que querem simplesmente desmantelar! Onde se tratou a primeira onda de Covid-19 em Coimbra… e agora se desactiva antes que a segunda chegue… Como se não fizesse falta, e pudesse ser substituído pelos vários hospitais privados, franchisings de várias marcas, entretanto construídos em Coimbra!!

A par disto assiste-se ao outro Hospital Central em Coimbra, o Hospital da Universidade de Coimbra, onde se concentrou tudo e todos, completamente assoberbado, bloqueado no acesso rodoviário e no estacionamento, mas sobretudo no trabalho que tem e na quantidade de pessoas que por ele circulam, com a resposta cada vez mais difícil, com aumento enorme das listas de espera para consultas, exames,  tratamentos médicos e cirurgias, apesar da exaustão de quem lá está e se esforça. Com o excesso acumulado de trabalho de rotina, sai, naturalmente, penalizado tudo o resto, a diferenciação e a investigação, que deveriam ser fulcrais num hospital universitário e de ensino pré e pós-graduado. E vai-se assistindo a uma debandada de profissionais, mostrando outros pouca apetência para os substituir, seja como formadores seja como formandos.

Quer dizer, duma fusão de dois Hospitais, feita sem qualquer necessidade ou indicação, e sem nenhum plano, resultou a destruição de um e a deterioração do funcionamento do outro, com afastamento de profissionais, de formandos e de doentes. E que levou a uma verdadeira crise no SNS hospitalar em Coimbra, com repercussão na Região Centro. Com manifestações populares por causa disso, exigindo o que tinham anteriormente a essa fusão. Isto é evidente para todos, menos, ao que parece, para os responsáveis pela gestão da saúde e pela situação criada. Que teimosamente insistem nela. E que acham que falar no passado não adianta… quando o penoso presente resulta de em apenas nove anos terem destruído a riqueza duma herança de quarenta e cinco!... 

Se alguém pensa que a democracia consiste em votar de quatro em quatro anos, está enganado. Se acharem que de quatro em quatro anos se vota numa ditadura para esses anos, estão enganados. Quem governa tem de estar constantemente atento às necessidades das pessoas, aos seus anseios, às suas dificuldades, e tomar atempadamente as medidas necessárias. Com clareza e limpidez. Em democracia, se os políticos desprezarem o povo, o povo rapidamente se afastará deles. Como dizia Mário Soares, o povo tem direito à indignação. E é indignação o que em Coimbra se tem gritado alto e bom som, sobre uma fusão que desmantelou um Hospital público e colocou outro em dificuldades. Alguns políticos há muito que a ouviram, outros fazem que não a ouvem. Veremos até quando.

Essa indignação tem sido bem transmitida pelos meios de comunicação locais, jornais e rádios, que têm desempenhado o seu papel de informar, de modo empenhado e profissional, sobre o que se passa na Saúde hospitalar em Coimbra. Mas a que os meios de comunicação social nacional não querem dar relevo, e nem sequer noticiam, como se o que se passa nos Hospitais do SNS em Coimbra fosse algo que pouco afecta ou interessa o país. Ou foi o que lhes disseram. Claro que se fosse um médico acusado de qualquer coisa isso seria notícia em todos os noticiários durante um dia ou dois, pelo menos! Dizia Joseph Pulitzer, extraordinário jornalista americano falecido em 1911 e cujo nome foi dado a um prémio mundial de grande prestígio para o jornalismo de qualidade: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”. Esta profecia foi feita há mais de 110 anos… Felizmente que há jornalistas que lhe vão resistindo.

sábado, 12 de setembro de 2020

COIMBRA E A ESTREITEZA DE VISTAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Quem faz as instituições são as pessoas que lá trabalham, sobretudo quem as saiba dirigir. Se conseguirem planear o futuro desejado com base no presente que vivem, tendo em conta o que foi o passado. E com o golpe de asa necessário para perceber um erro e retornar ao rumo certo, em vez de teimosamente marcarem passo no caminho errado. Esta é a grande diferença entre um líder e um chefe, e felizes as instituições que são lideradas e não apenas chefiadas.
Os Hospitais Gerais Centrais da Região Centro, centralizados em Coimbra (como os do Norte o estão no Porto e os do Sul em Lisboa), foram fundidos, em 2011. Sem qualquer necessidade antes detectada, ou, ainda menos, solicitada, ou algum plano prévio de funcionamento, foram fundidos por uma lei num centro hospitalar. O que, de início, até se poderia aceitar, os dois hospitais a funcionarem sob uma mesma administração, com um orçamento igual à soma dos orçamentos individuais, embora se pudesse à partida suspeitar de muita dificuldade para administrar uma estrutura tao grande e complexa.
Mas foi, desde logo, cometido um erro: não se criou, na verdade, um centro hospitalar (isto é, vários hospitais com autonomia, com direcções clínicas próprias, unidos por uma rede administrativa), mas sim um hospital único, muito grande, espalhado por vários edifícios separados por quilómetros. E, na sequência disso, e sob o lema “cada especialidade, um Serviço”, começaram a dividir-se Serviços do agora CHUC pelos edifícios do HUC e do Hospital dos Covões. Ou melhor, a concentrar Serviços no edifício do HUC, deixando o outro progressivamente mais desprotegido em termos das várias especialidades que ia deixando de ter. Cada vez com menos pessoal e menos doentes, com muito material a ser desviado para o edifico do HUC, embora mantendo as tecnologias lá instaladas ao longo dos anos e que são difíceis de desmontar e transportar, até porque não há espaço para elas no HUC e os doentes deste têm de lá ir fazer exames de que necessitam, para além de ser operados no bloco de ambulatório, que no HUC não existe.
E assim se chegou ao estado actual: o Hospital dos Covões quase desactivado como hospital, funcionando apenas como uma espécie de extensão do HUC. De dois Hospitais Gerais de referência que havia em Coimbra e na Região Centro, passou a haver só um. O orçamento para dois é usado apenas num, onde os doentes se acumulam e esperam e os profissionais se acotovelam e exasperam, já que passaram a ser em maior número mas as condições e espaço de trabalho são os mesmos que eram. As listas de espera para consulta, exames, tratamentos, crescem, a possibilidade de ensino prático dos alunos foi drasticamente reduzida, tal como a capacidade de formação de novos especialistas. Num momento em que o governo parece querer apostar em aumentar o número de médicos, a diminuição da capacidade de os especializar é inesperada, para dizer o menos...
O que é que pode não se compreender disto?! Deste processo que levou ao encerramento como hospital dum Hospital diferenciado em Coimbra? Com repercussão negativa evidente e esperada a nível assistencial, no ensino, na formação pós-graduada, na investigação. E expondo o outro a um forçado e marcado aumento de procura, com a sua sobrelotação e o esgotamento da resposta hospitalar e dos seus profissionais.
É tudo mais que evidente, e é motivo para o desassossego e sofrimento das populações, privadas dum hospital e condenadas ao restante. Protestam com veemência, em manifestações de rua, buzinões de automóveis, nas redes sociais (com um grupo que já ultrapassou os trinta mil membros), numa Petição à Assembleia da República com 4.500 assinaturas (porque eram precisas apenas 4.000, se fossem 10.000 ou mais também as teria!). E do mesmo modo os profissionais se manifestam, expondo as consequências, invocando as razões, apontando soluções. Com eco nas forças políticas locais, nas Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia de Coimbra e da região, nalguns deputados por Coimbra. Todos a querer uma mudança, tudo em vão perante o ministério da saúde. Dizia John F. Kennedy: “Quando não aceitamos uma mudança inevitável de forma pacífica, arriscamo-nos a tê-la de forma violenta.”.
Nunca Coimbra, orgulhosa de António Arnaut e do SNS, pensou ter problemas deste calibre na sua Saúde hospitalar pública! Com tantas dificuldades, no preciso momento em que instituições hospitalares privadas, franchisings de marcas de hospitais e outras, se multiplicam localmente! Mas qual a solução? É óbvia, e corresponde, aliás, ao tema da Petição entregue: reverter a fusão feita, devolver a autonomia ao Hospital dos Covões, com as funções que tinha enquanto Hospital Geral Central. Um dos dois Hospitais Gerais Centrais de que os dois milhões e trezentos mil habitantes da Região Centro necessitam que haja.
Os encarregados pelo ministério da saúde da gestão do CHUC pensam de maneira contrária, e insistem na macrocefalia do Hospital da Universidade, nele concentrando tudo e a ele atraindo todos (para mais ainda com os problemas conhecidos no acesso rodoviário e no estacionamento), ficando as instalações do outro Hospital como uma espécie de armazém de excedentes. Ou, parecendo gorada a tentativa de encerramento, propõem lá ser colocadas algumas unidades funcionais, partes de Serviços, ou consultas externas para as quais não se encontre espaço no edifício do HUC. Sem esquecer o inevitavelmente citado Bloco de Cirurgia em Ambulatório, este pela simples razão de ter sido sempre um exclusivo do Hospital dos Covões, já que o HUC não tem nenhum. Ao mesmo tempo que fecham os cuidados intensivos, coronários e gerais, inviabilizando assim que uma nova pandemia, ou esta mesma, possam continuar a ser tratadas nos Covões, e contribuindo para forçar, desse modo, que uma nova maternidade tenha de ser encavalitada no HUC.
Um hospital tem de ter os Serviços necessários ao seu funcionamento, isto é (para quem lhe custe entender isto), ao tratamento dos seus doentes, dos doentes que a ele acorram ou sejam enviados. Não se compadece com os doentes terem de estar à espera de médicos vindos doutro lado, ou serem sistematicamente enviados a outro lado, sem possibilidade de serem observados e o seu caso discutido presencialmente pelos vários especialistas eventualmente necessários. Qualquer médico percebe isto, embora se admita que quem não o seja lhe possa dar pouca importância.
Portanto, cada hospital terá necessariamente muitos Serviços idênticos aos outros. O que é, na realidade, uma mais valia, pela diversidade que proporciona à medicina praticada e aos médicos, com troca de opiniões, cotejo de resultados, comparação de experiências, que é o que conduz ao progresso. O monolitismo, e o monopólio, são causas de estiolamento repetitivo, o que na medicina, sempre em mudança, é trágico, para a saúde e para os doentes.
O que se pretende, pois, são dois Hospitais Gerais, trabalhando lado a lado, com emulação, complementares um dos outro no sentido de um poder ter uma ou outra área específica que o outro não tenha, mas sobretudo em termos de cada um ser uma alternativa ao outro, à disposição da escolha de quem deles necessite. A devolução da autonomia ao Hospital dos Covões poderá, nesta altura, permitir o estabelecimento duma forma inovadora de gestão, mais próxima da população e em interligação estreita com outras estruturas de saúde, como cuidados de saúde primários e outros hospitais, como já foi esboçado anteriormente, no que se chamava Unidade de Saúde Coimbra Sul. Uma forma de gestão diferente, e que poderia até ser comparada, em termos de resultados clínicos, sociais e económicos, com outros hospitais do mesmo nível geridos doutra maneira, mais elitista e isolada da comunidade.
De qualquer maneira, é muito urgente que a situação da Saúde hospitalar em Coimbra seja resolvida. Alguém tem de a resolver. São pessoas que resolvem as situações, não são as instituições. Que dependem das pessoas. Sobretudo das que as saibam dirigir.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

OS HOSPITAIS DE COIMBRA E A COISA PÚBLICA

Há dias, na página no Facebook do movimento Pela Saúde em Coimbra e na Região Centro (que defende a autonomia do Hospital dos Covões e a manutenção das suas funções como Hospital Geral Central), um conhecido e influente membro do partido na altura, e agora, no governo, e um dos seus fundadores, dizia da influência decisiva do Dr. Fernando Vale na construção, nos anos 80 do século passado, do edifício actual do Hospital da Universidade de Coimbra. Vimos confirmado como as coisas podem funcionar na coisa pública (res publica). Nesse caso, ainda bem.
Ficou dito que o Dr. Fernando Vale insistiu pessoalmente, com premência, para que o primeiro-ministro Mário Soares viesse rapidamente a Coimbra falar com ele, ao que este acedeu, mesmo sem saber a razão. Ao chegar, foi por ele levado de imediato ao velho edifício do HUC, onde foi confrontado com as péssimas condições existentes, e instado para que fosse encontrada uma solução com urgência, a bem dos doentes e dos profissionais. Como é contado, essa insistência do médico amigo e correligionário, tão respeitado em todos os quadrantes políticos nacionais, não caiu em cesto roto. E, logo no caminho de regresso a Lisboa, Mário Soares pensou no modo de desviar o dinheiro necessário doutro fim a que estava destinado.
Terá faltado referir que esse pedido premente do Dr. Fernando Vale provavelmente tenha resultado duma sua visita ao Hospital dos Covões, onde um filho seu trabalhava como cirurgião – e de muita qualidade -, e assim tenha podido fazer um paralelo entre os dois Hospitais. O Hospital dos Covões tinha das melhores condições possíveis à época como hospital, e nesse campo a sua comparação com o HUC era verdadeiramente penosa para este último! Uma diferença abissal, que chocava, ainda mais quem tivesse animosidade contra aquela instituição por ter sido obra do Prof. Bissaya Barreto, confundindo o homem com a sua obra. Porque muitos havia que odiavam Bissaya Barreto, por várias razões e também, ao que parece, por ter sido ele a fazer Coimbra dar um salto de relevo em matéria de Saúde, e não eles…
Pode-se considerar, assim, que foi também o aparecimento em Coimbra doutro Hospital para além do Hospital da Universidade, o Hospital dos Covões, e do Centro Hospitalar de Coimbra que ele integrava, de muita qualidade e óptimas condições logísticas, que levou, indirectamente, à construção dum edifício novo para o HUC. O que teve de ser levado a cabo muito rapidamente, para aproveitar o dinheiro conseguido pela intervenção pessoal, acima relatada, sobre o primeiro-ministro do momento. Essa pressa obrigou a usar-se um projecto existente já com vinte anos, o que conduziu a uma construção hospitalar desajustada, em dimensões e disposição das instalações, ao que nessa época já se defendia em termos de hospitais, mas permitiu, de qualquer maneira, um progresso enorme para os seus profissionais e utentes.
E os dois Hospitais continuaram a coexistir durante mais trinta anos, para benefício de Coimbra e da Região Centro, projectando a cidade nacional e internacionalmente na área da Saúde. Merecendo por isso a designação de “capital da Saúde”. É perfeitamente clara a importância de haver dois Hospitais Gerais Centrais em Coimbra, chamando à cidade profissionais de saúde, alunos, formandos, investigadores, escolas, doentes, e é por isso muito evidente que manter os dois, no caso, manter o Hospital dos Covões, é uma verdadeira causa pública. Aliás bem compreendida pelas populações, que se manifestam repetidamente nesse sentido, representadas pela quase totalidade das forças políticas locais.
Mas essa causa não é de todos, admitamos: animosidades antigas não morrem, e o ressentimento contra quem levou a cidade a expandir-se pela Saúde, fazendo-a crescer para a periferia no “outro lado do rio”, e projectando-a ao mesmo tempo para fora de portas, mantem-se, reflectindo-se na sua obra. São os defensores duma Coimbra pequenina, enquistada e encolhida sobre a “sua” universidade, centrada nesse centro antigo e com receio de que ele se afaste para mais longe, dum lado e doutro do rio, levado pelo crescimento.
É Coimbra que tem de decidir o que quer. E quem quer. Mas já vimos como se passam as coisas na coisa pública, mesmo que numa causa que é entusiasticamente de tantos. O que vale muitas das vezes é a intervenção duma pessoa, com carisma, pessoal ou político, ou poder, e que leva a uma decisão pelas forças instaladas na governação, fazendo-as ver quase à força a razão que lhe assiste, e o caminho correcto a seguir. Sem mais delongas e hesitações. Nos Hospitais de Coimbra já houve dois exemplos, aqui citados. Teremos de esperar por outro, para que a Saúde em Coimbra e na Região Centro retome o caminho devido?...
In Diário As Beiras, 10 de Setembro 2020