COIMBRA E A
ESTREITEZA DE VISTAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Quem faz as instituições são as pessoas que lá trabalham,
sobretudo quem as saiba dirigir. Se conseguirem planear o futuro desejado com
base no presente que vivem, tendo em conta o que foi o passado. E com o golpe
de asa necessário para perceber um erro e retornar ao rumo certo, em vez de
teimosamente marcarem passo no caminho errado. Esta é a grande diferença entre
um líder e um chefe, e felizes as instituições que são lideradas e não apenas
chefiadas.
Os Hospitais Gerais Centrais da Região Centro,
centralizados em Coimbra (como os do Norte o estão no Porto e os do Sul em
Lisboa), foram fundidos, em 2011. Sem qualquer necessidade antes detectada, ou,
ainda menos, solicitada, ou algum plano prévio de funcionamento, foram fundidos
por uma lei num centro hospitalar. O que, de início, até se poderia aceitar, os
dois hospitais a funcionarem sob uma mesma administração, com um orçamento
igual à soma dos orçamentos individuais, embora se pudesse à partida suspeitar
de muita dificuldade para administrar uma estrutura tao grande e complexa.
Mas foi, desde logo, cometido um erro: não se criou, na
verdade, um centro hospitalar (isto é, vários hospitais com autonomia, com
direcções clínicas próprias, unidos por uma rede administrativa), mas sim um
hospital único, muito grande, espalhado por vários edifícios separados por
quilómetros. E, na sequência disso, e sob o lema “cada especialidade, um Serviço”,
começaram a dividir-se Serviços do agora CHUC pelos edifícios do HUC e do
Hospital dos Covões. Ou melhor, a concentrar Serviços no edifício do HUC,
deixando o outro progressivamente mais desprotegido em termos das várias
especialidades que ia deixando de ter. Cada vez com menos pessoal e menos
doentes, com muito material a ser desviado para o edifico do HUC, embora mantendo
as tecnologias lá instaladas ao longo dos anos e que são difíceis de desmontar
e transportar, até porque não há espaço para elas no HUC e os doentes deste têm
de lá ir fazer exames de que necessitam, para além de ser operados no bloco de
ambulatório, que no HUC não existe.
E assim se chegou ao estado actual: o Hospital dos Covões
quase desactivado como hospital, funcionando apenas como uma espécie de
extensão do HUC. De dois Hospitais Gerais de referência que havia em Coimbra e
na Região Centro, passou a haver só um. O orçamento para dois é usado apenas
num, onde os doentes se acumulam e esperam e os profissionais se acotovelam e
exasperam, já que passaram a ser em maior número mas as condições e espaço de
trabalho são os mesmos que eram. As listas de espera para consulta, exames,
tratamentos, crescem, a possibilidade de ensino prático dos alunos foi
drasticamente reduzida, tal como a capacidade de formação de novos especialistas.
Num momento em que o governo parece querer apostar em aumentar o número de
médicos, a diminuição da capacidade de os especializar é inesperada, para dizer
o menos...
O que é que pode não se compreender disto?! Deste
processo que levou ao encerramento como hospital dum Hospital diferenciado em
Coimbra? Com repercussão negativa evidente e esperada a nível assistencial, no
ensino, na formação pós-graduada, na investigação. E expondo o outro a um
forçado e marcado aumento de procura, com a sua sobrelotação e o esgotamento da
resposta hospitalar e dos seus profissionais.
É tudo mais que evidente, e é motivo para o desassossego
e sofrimento das populações, privadas dum hospital e condenadas ao restante.
Protestam com veemência, em manifestações de rua, buzinões de automóveis, nas
redes sociais (com um grupo que já ultrapassou os trinta mil membros), numa
Petição à Assembleia da República com 4.500 assinaturas (porque eram precisas
apenas 4.000, se fossem 10.000 ou mais também as teria!). E do mesmo modo os
profissionais se manifestam, expondo as consequências, invocando as razões,
apontando soluções. Com eco nas forças políticas locais, nas Câmaras Municipais
e Juntas de Freguesia de Coimbra e da região, nalguns deputados por Coimbra. Todos
a querer uma mudança, tudo em vão perante o ministério da saúde. Dizia John F.
Kennedy: “Quando não aceitamos uma mudança inevitável de forma pacífica,
arriscamo-nos a tê-la de forma violenta.”.
Nunca Coimbra, orgulhosa de António Arnaut e do SNS,
pensou ter problemas deste calibre na sua Saúde hospitalar pública! Com tantas
dificuldades, no preciso momento em que instituições hospitalares privadas, franchisings
de marcas de hospitais e outras, se multiplicam localmente! Mas qual a solução?
É óbvia, e corresponde, aliás, ao tema da Petição entregue: reverter a fusão
feita, devolver a autonomia ao Hospital dos Covões, com as funções que tinha
enquanto Hospital Geral Central. Um dos dois Hospitais Gerais Centrais de que
os dois milhões e trezentos mil habitantes da Região Centro necessitam que
haja.
Os encarregados pelo ministério da saúde da gestão do
CHUC pensam de maneira contrária, e insistem na macrocefalia do Hospital da
Universidade, nele concentrando tudo e a ele atraindo todos (para mais ainda
com os problemas conhecidos no acesso rodoviário e no estacionamento), ficando
as instalações do outro Hospital como uma espécie de armazém de excedentes. Ou,
parecendo gorada a tentativa de encerramento, propõem lá ser colocadas algumas
unidades funcionais, partes de Serviços, ou consultas externas para as quais
não se encontre espaço no edifício do HUC. Sem esquecer o inevitavelmente
citado Bloco de Cirurgia em Ambulatório, este pela simples razão de ter sido
sempre um exclusivo do Hospital dos Covões, já que o HUC não tem nenhum. Ao
mesmo tempo que fecham os cuidados intensivos, coronários e gerais,
inviabilizando assim que uma nova pandemia, ou esta mesma, possam continuar a
ser tratadas nos Covões, e contribuindo para forçar, desse modo, que uma nova
maternidade tenha de ser encavalitada no HUC.
Um hospital tem de ter os Serviços necessários ao seu
funcionamento, isto é (para quem lhe custe entender isto), ao tratamento dos
seus doentes, dos doentes que a ele acorram ou sejam enviados. Não se compadece
com os doentes terem de estar à espera de médicos vindos doutro lado, ou serem
sistematicamente enviados a outro lado, sem possibilidade de serem observados e
o seu caso discutido presencialmente pelos vários especialistas eventualmente
necessários. Qualquer médico percebe isto, embora se admita que quem não o seja
lhe possa dar pouca importância.
Portanto, cada hospital terá necessariamente muitos
Serviços idênticos aos outros. O que é, na realidade, uma mais valia, pela
diversidade que proporciona à medicina praticada e aos médicos, com troca de
opiniões, cotejo de resultados, comparação de experiências, que é o que conduz
ao progresso. O monolitismo, e o monopólio, são causas de estiolamento
repetitivo, o que na medicina, sempre em mudança, é trágico, para a saúde e
para os doentes.
O que se pretende, pois, são dois Hospitais Gerais,
trabalhando lado a lado, com emulação, complementares um dos outro no sentido
de um poder ter uma ou outra área específica que o outro não tenha, mas
sobretudo em termos de cada um ser uma alternativa ao outro, à disposição da
escolha de quem deles necessite. A devolução da autonomia ao Hospital dos
Covões poderá, nesta altura, permitir o estabelecimento duma forma inovadora de
gestão, mais próxima da população e em interligação estreita com outras
estruturas de saúde, como cuidados de saúde primários e outros hospitais, como
já foi esboçado anteriormente, no que se chamava Unidade de Saúde Coimbra Sul.
Uma forma de gestão diferente, e que poderia até ser comparada, em termos de
resultados clínicos, sociais e económicos, com outros hospitais do mesmo nível geridos
doutra maneira, mais elitista e isolada da comunidade.
De qualquer maneira, é muito urgente que a situação da Saúde
hospitalar em Coimbra seja resolvida. Alguém tem de a resolver. São pessoas que
resolvem as situações, não são as instituições. Que dependem das pessoas. Sobretudo
das que as saibam dirigir.
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