sábado, 3 de outubro de 2020

 A RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES PÚBLICOS DA SAÚDE

 

A responsabilização dos gestores públicos da Saúde (ou dos gestores da Saúde pública) tem de ser uma realidade iniludível, e não apenas no papel ou no campo teórico.

"O direito constitucional à saúde está intrinsecamente associado ao direito elementar à vida, ocorrendo a sua violação quando este tenha sido, ou esteja a ser, colocado em risco por força de uma conduta omissiva ou, pior ainda, de uma actuação por parte do Estado, e de quem nele detém poderes e competências de decisão e gestão na área da saúde, que propicie ou potencie aquele risco, ou de que decorra mesmo um dano concreto." (Ana Costa Almeida, O direito à Saúde)

Portanto, quando a saúde dos cidadãos do país ou duma sua região é posta em causa, ao não lhe serem dadas as melhores condições ou, pior ainda, ao retirar-lhe essas condições, com manifesto desprezo pelos utentes e pelos profissionais de saúde que protestam veementemente por isso, os gestores de saúde implicados têm de ser responsabilizados. A lei obriga a isso. E o bom senso. E a Saúde, bem supremo, perdida!

Quando funcionários postos a gerir um Hospital onde nunca trabalharam e que não conhecem, tomam medidas volúveis que levam ao seu desmantelamento como Hospital, ignorando acintosamente toda a sua capacidade instalada e usada, com tanta qualidade que é defendido com unhas e dentes por todos os seus utentes e profissionais, substituindo-o por algo que é apresentado como uma trapalhada, uma mão cheia de nada, ainda por cima com gasto de mais de quatro milhões de euros, têm de ser responsabilizados. Desde logo por todas as pessoas que sofrem com isso no seu direito à saúde. E, se esse aspecto afinal interessar a quem governa, por quem governa, e que também é responsável. E pela Lei, se se tiver de chegar a isso, por parte das populações lesadas.

Como disse há pouco tempo um antigo ministro da saúde, só um cego não consegue ver que a saúde em Coimbra está com problemas. Problemas derivados da fusão hospitalar levada a cabo em nove anos. Mas pior do que cegos são os que não querem ver isso, são responsáveis por isso, e continuam. Agravando os problemas.

Já se percebeu que o HUC não se basta a si próprio enquanto Hospital, e necessita do apoio externo doutro, ou doutros. E mesmo com o apoio que está a ter vive com esforço, com a Urgência largamente superlotada, com muita dificuldade no atendimento, as listas de espera para tudo a aumentar, uma sobrecarga de trabalho de rotina que, para além de, naturalmente, piorar os resultados, dificulta sobremaneira a diferenciação e a investigação que são próprias dum Hospital Central, o que vai afastando dele formandos e profissionais com esse interesse e capacidade. Mas por isto é que a pretensão de quem gere o CHUC de conseguir o encerramento do Hospital dos Covões não vingou: faz falta. E também porque essa falta é por demais sentida pelos seus utentes, comparando a assistência em saúde que têm agora com a que tinham quando na realidade havia dois Hospitais Gerais Centrais em Coimbra e não apenas um com um acrescento do outro lado do rio.

Pois é claro que os problemas da Saúde em Coimbra – provocando manifestações de rua, declarações de políticos, Petição à Assembleia da República – derivam da fusão dos dois Hospitais Gerais Centrais de Coimbra, com desmantelamento dum deles, acabando este embora por ter de ser apenas parcial, e já se entendeu porquê… A dita fusão, e a maneira como foi feita e está a ser gerida, constitui uma desqualificação dos cuidados hospitalares em Coimbra e na Região Centro, e do acesso dos seus utentes a eles, com deterioração da assistência que lhes é fornecida nessa área, configurando isto “uma violação do seu direito à Saúde, já que posto em risco por força de uma conduta omissiva ou, pior ainda, de uma actuação por parte do Estado, e de quem nele detém poderes e competências de decisão e gestão na área da saúde, que propicia ou potencia aquele risco, e de que decorre mesmo um dano concreto”.

Mas mais extraordinária ainda, negativamente, é a atitude dos gestores da saúde em Coimbra de quererem colocar um centro de “envelhecimento activo” no Hospital dos Covões, em vez de o reactivarem como Hospital Geral Central, o que é obvia e publicamente o indicado! Se entendem necessário e prioritário, nos tempos que correm,  criar um centro para ensinar os velhos a envelhecer activamente, e a evitar na medida do possível o seu internamento (o envelhecimento activo ou ageing é isso), e se para tal precisam dum edifício, têm o antigo Hospital Pediátrico, onde podem gastar os quatro milhões da União Europeia com o fim a que são destinados e salvarem-no da ruína. No centro da cidade, e muito perto do HUC e da Faculdade de Medicina, esta onde dizem que vão construir com aqueles mesmos milhões, ou outros, um edifício para fazer estudos e investigação naquela área.

Vejamos, aquela verba não foi atribuída para fechar um Hospital! E escusam de gastar dinheiro no Hospital dos Covões, como Hospital não precisa! Além de que substituir um Hospital Geral Central totalmente e bem equipado por um centro de treino para velhos evitarem o internamento hospitalar, deixando o outro Hospital Central de Coimbra completamente esgotado com trabalho e assoberbado com doentes, é uma verdadeira inconsciência! De que alguém tem de assumir a responsabilidade! Para o presente e para o futuro! E que, mais uma vez, reforça a razão do pedido feito na Petição: “autonomia para o Hospital dos Covões, porque o acesso à saúde é um direito e um dever”.

Os gestores públicos da Saúde, ou os gestores da Saúde pública, não podem ficar impunes por actos ou omissões lesivos da Saúde, têm se ser responsabilizados por eles! A Saúde das populações a isso tem de obrigar. Para a sua salvaguarda.