sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

         E SE PARÁSSEMOS PARA PENSAR? E QUEM SABE VOLTAR ATRÁS?

O Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) anuncia-se naquele país a caminho do fracasso. Ele que serviu de exemplo ao nosso e que, tal como o português, durante anos funcionou muito bem. No caso dele, literalmente de modo exemplar.

O que aconteceu? Basicamente foram-lhe sendo introduzidas alterações que se mostraram negativas, depois desastrosas, a médio e longo prazo. E chegámos a este momento. E aos que se lhe seguirão, na senda do caminho percorrido até agora, se não for modificado.

Para nós o mais preocupante é que, para além de ser um serviço de que o nosso basicamente foi decalcado, as alterações que levaram à sua degradação também foram copiadas para o nosso SNS. Mais tarde, de modo que os mesmos efeitos se seguirão às mesmas causas no seu tempo próprio...

 É claro que o facto de o nosso serviço nacional de saúde ser uma espécie de cópia tardia do britânico, poderia dar-nos a possibilidade de ir atempadamente corrigindo o que naquele se mostrou mal feito. Mas, para isso, seria necessário que quem levou aos maus resultados, e quem os acompanhou, e eventualmente os agravou, os reconhecesse como tal, os assumisse, os anunciasse à sociedade. Para que se alterassem de imediato as causas, de modo a evitar e a reverter os efeitos indesejáveis. Ora, surpreendentemente, não é isso que tem acontecido! Lá como cá. Mesmo que, e relutantemente, os responsáveis pela Saúde vão reconhecendo que o que funcionava bem em tempos agora não funciona (porque há termo de comparação!), as razões apontadas para tal procura-se, sistematicamente, que se mantenham externas ao que se fez nas mais variadas áreas (incluindo na organização médica), ao que nelas se mudou, ao que se alterou, e que obviamente levou ao que se tem agora. Nada de aceitar que foram erros, nada de entender que nem tudo o que se pensou ser para melhor assim resultou! Teimosamente invoca-se apenas que as condições mudaram… Quando muito dessa mudança, que é óbvia, foi condicionada também, e nalguns aspectos até sobretudo, pelo que foi feito mudar na estrutura que suporta os serviços de saúde, nomeadamente na gestão hospitalar, clínica e administrativa, na rede nacional de instituições públicas de saúde e nas carreiras profissionais, acima de tudo nas carreiras médicas.

E essa incapacidade de reconhecer os erros (muitas vezes próprios, por parte dos dirigentes e profissionais na área da Saúde) é acompanhada por outra, ainda mais preocupante: a de vislumbrar uma solução. Na realidade, as duas juntas consubstanciam a situação: está-se dentro dum túnel, não se sabe como para lá se entrou nem, portanto, como se poderá de lá sair…

A situação no Reino Unido é complicada, e a portuguesa acompanha-a paralelamente. Não será altura de pararmos para pensar? Diz o povo que, quando se está dentro dum buraco que escavámos e de que não se sabe já para que lado é a saída, a primeira coisa a fazer é parar de cavar. Que tal se, em vez de continuarmos pelo caminho que, em muitos aspectos do que se anunciava “moderno”, e “diferente”, como “lá fora” (Reino Unido?...), se revelou errado, procurarmos perceber, sem complexos, o que correu mal? E, quem sabe, recuar nalgumas áreas? Para posições confortáveis e seguras (e que se sabe que o são, porque já lá estivemos antes…), donde se possa então progredir doutro modo para um futuro melhor do que o presente que temos agora. 

As guerras têm-nos demonstrado uma coisa às vezes esquecida na ânsia cega de avançar: recuar nem sempre é sinal de derrota ou de fraqueza, pode ser, pelo contrário, o começo dum avanço vitorioso. E quer parecer que para a saúde dos Serviços Nacionais de Saúde britânico e português é o que se precisa, quando o que se tinha antes era melhor que o que se tem agora. Esperemos que quem de direito acabe por perceber isso, e parem de cavar e de nos meter cada vez mais no buraco, cada vez mais longe da saída. A não ser que o objectivo de quem de direito seja mesmo esse… Mas vamos acreditar que não.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

                                       A REQUALIFICAÇÃO DAS URGÊNCIAS

O maior problema das urgências médicas no nosso país é que elas se transformaram na porta habitual de acesso aos cuidados médicos. Isto porque o nosso sistema de saúde se “urgencializou”, face à dificuldade de os doentes obterem consulta doutro modo. Por outro lado as urgências “hospitalizaram-se”, e tudo isto no seu conjunto, e não por outras causas quaisquer, faz com que doentes se acumulem à espera em serviços de urgência hospitalares que, doutro modo, estariam perfeitamente equipados, em material e recursos humanos, para dar a melhor das respostas.

Este é o diagnóstico há muito feito. A terapêutica implica resolver os problemas a montante das urgências hospitalares, em dois aspectos: consulta a tempo e horas dos doentes que dela entendem precisar, e acesso a urgência eventualmente não hospitalar, aquela que também se chama de consulta urgente, que em grande medida deveria estar a cargo do médico de família. Começar pelo fim ou, como diz o nosso povo, “pôr a carroça à frente dos bois”, não pode dar bons resultados, se o que se pretende realmente é fazer a carroça andar…

A reestruturação das urgências terá, pois, que incluir, logo no seu início, as consultas urgentes, as quais só o médico que vê o doente poderá classificar como urgência hospitalar, ou não. Esses doentes só deveriam ir ao hospital depois de observados pelo seu médico, ou por um médico num serviço de atendimento permanente. Não é eticamente lícito querer dificultar o seu acesso aos hospitais por qualquer outro modo, embora se reconheça a tentação administrativa de o fazer, embalada pela asserção que a maior parte não são verdadeiras urgências. E se o forem? Deveria bastar que apenas uma fosse e o doente sucumbisse por isso para tal nos repugnar. Talvez não se justifique ter uma instituição aberta toda a noite para ver dois ou três doentes, mas esses têm também de ser vistos por um médico a tempo e horas, o que não inclui, com certeza, uma deslocação obrigatória de 40 ou 50 quilómetros, em táxi ou ambulância, para lhe dizerem eventualmente que não tem nada de urgente…

Grande visão, médica e económico-financeira, de quem nos locais agora abandonados – e a abandonar - pelo SNS instalou locais privados de atendimento médico e de enfermagem. Fazem aí o que o Estado se demitiu de fazer, e os contribuintes, que pensariam ter direito a acesso à saúde tendencialmente gratuito, passam a pagar directamente esses cuidados, de que necessitam.

E estes são os pontos fulcrais nesta matéria. O trabalho de “requalificação” das urgências hospitalares, pese embora a boa vontade e empenho da comissão nomeada para o efeito, só deveria ter lugar depois daquele primeiro passo ter sido dado. Então, e só então, se veria quais as que faziam ainda falta, aonde e como. Não haveria o período de vazio, de insegurança, que se está a criar para as populações mais isoladas no campo da saúde, e que nem sempre são só as que estão muito longe de grandes centros. Compreende-se a sua angústia, fruto não propriamente do trabalho apresentado mas da má planificação da sua aplicação. Planificação sem ter em conta minimamente nada do que atrás é apontado.

Embora o trabalho da comissão apresentasse alguns erros e incongruências, corrigíveis com certeza, a verdade é que dele de imediato resultaram unicamente encerramentos e desqualificações, alguns evitados ou negociados declaradamente apenas por razões de política local, e não de natureza técnica. O plano de requalificação assume-se, assim, antes de mais como um plano de poupança, dentro do objectivo geral do governo de poupar dinheiro com a saúde. Como a saúde era muito melhor que o resto do país, parece estar-se a procurar nivelá-la aos poucos, com economia substancial conforme anunciado pelos responsáveis pela saúde nacional. O resultado final ver-se-á em breve. Não se diga depois é que a responsabilidade é dos médicos.

In Farpas pela nossa Saúde, 2009, Ed. MinervaCoimbra