A REQUALIFICAÇÃO DAS URGÊNCIAS
O maior problema das
urgências médicas no nosso país é que elas se transformaram na porta habitual
de acesso aos cuidados médicos. Isto porque o nosso sistema de saúde se
“urgencializou”, face à dificuldade de os doentes obterem consulta doutro modo.
Por outro lado as urgências “hospitalizaram-se”, e tudo isto no seu conjunto, e
não por outras causas quaisquer, faz com que doentes se acumulem à espera em
serviços de urgência hospitalares que, doutro modo, estariam perfeitamente
equipados, em material e recursos humanos, para dar a melhor das respostas.
Este é o diagnóstico
há muito feito. A terapêutica implica resolver os problemas a montante das
urgências hospitalares, em dois aspectos: consulta a tempo e horas dos doentes
que dela entendem precisar, e acesso a urgência eventualmente não hospitalar,
aquela que também se chama de consulta urgente, que em grande medida deveria
estar a cargo do médico de família. Começar pelo fim ou, como diz o nosso povo,
“pôr a carroça à frente dos bois”, não pode dar bons resultados, se o que se
pretende realmente é fazer a carroça andar…
A reestruturação das
urgências terá, pois, que incluir, logo no seu início, as consultas urgentes,
as quais só o médico que vê o doente poderá classificar como urgência
hospitalar, ou não. Esses doentes só deveriam ir ao hospital depois de
observados pelo seu médico, ou por um médico num serviço de atendimento
permanente. Não é eticamente lícito querer dificultar o seu acesso aos
hospitais por qualquer outro modo, embora se reconheça a tentação administrativa
de o fazer, embalada pela asserção que a maior parte não são verdadeiras
urgências. E se o forem? Deveria bastar que apenas uma fosse e o doente
sucumbisse por isso para tal nos repugnar. Talvez não se justifique ter uma
instituição aberta toda a noite para ver dois ou três doentes, mas esses têm
também de ser vistos por um médico a tempo e horas, o que não inclui, com
certeza, uma deslocação obrigatória de 40 ou
Grande visão, médica
e económico-financeira, de quem nos locais agora abandonados – e a abandonar -
pelo SNS instalou locais privados de atendimento médico e de enfermagem. Fazem
aí o que o Estado se demitiu de fazer, e os contribuintes, que pensariam ter
direito a acesso à saúde tendencialmente gratuito, passam a pagar directamente
esses cuidados, de que necessitam.
E estes são os pontos
fulcrais nesta matéria. O trabalho de “requalificação” das urgências
hospitalares, pese embora a boa vontade e empenho da comissão nomeada para o
efeito, só deveria ter lugar depois daquele primeiro passo ter sido dado.
Então, e só então, se veria quais as que faziam ainda falta, aonde e como. Não
haveria o período de vazio, de insegurança, que se está a criar para as
populações mais isoladas no campo da saúde, e que nem sempre são só as que
estão muito longe de grandes centros. Compreende-se a sua angústia, fruto não
propriamente do trabalho apresentado mas da má planificação da sua aplicação.
Planificação sem ter em conta minimamente nada do que atrás é apontado.
Embora o trabalho da
comissão apresentasse alguns erros e incongruências, corrigíveis com certeza, a
verdade é que dele de imediato resultaram unicamente encerramentos e
desqualificações, alguns evitados ou negociados declaradamente apenas por
razões de política local, e não de natureza técnica. O plano de requalificação
assume-se, assim, antes de mais como um plano de poupança, dentro do objectivo
geral do governo de poupar dinheiro com a saúde. Como a saúde era muito melhor
que o resto do país, parece estar-se a procurar nivelá-la aos poucos, com
economia substancial conforme anunciado pelos responsáveis pela saúde nacional.
O resultado final ver-se-á
In Farpas pela nossa Saúde, 2009, Ed. MinervaCoimbra
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