OS MÉDICOS TROCAM O PÚBLICO PELO PRIVADO
(Comentário a uma notícia de
jornal sobre o tema)
Não é de modo nenhum de espantar que o sector público esteja a perder
muitos dos seus melhores médicos para o privado. As instituições privadas
multiplicam-se a olhos vistos, vindo ocupar o espaço deixado vazio pela
recessão economicista imposta aos hospitais públicos. Por outro lado, o que se
vai passando em muitos dos hospitais EPE não convida realmente a lá trabalhar,
e isso sim, é de estranhar, porque se lhes foi criado um estatuto empresarial
deveria ser para serem geridos numa lógica de competitividade, e isso
implicaria obviamente criar condições para que os melhores lá quisessem
trabalhar com gosto e entusiasmo. Mas não, o ambiente gerado por muitos dos
conselhos de administração nomeados pelo ministério para esses hospitais foi
precisamente o contrário, utilizando o poder que lhes foi atribuído não em prol
da instituição mas sim desbaratando-o em nomeações de amigos sem a qualidade
necessária, e pior, afastando dos lugares de chefia, por motivo de retaliações
e pequenas vinganças pessoais, profissionais de prestígio, com provas dadas e que
vinham fazendo a gestão clínica dos seus serviços o melhor possível, cumprindo
e ultrapassando até o que estava contratualizado. A passagem a EPE nesses
hospitais foi sentida não com entusiasmo mas como uma punição, e uma punição
imerecida, o que não ajuda nada à produtividade e ao progresso das
instituições.
A desierarquização ostensivamente estabelecida nesses hospitais, por um
lado, o corte constante no orçamento para tratar os doentes, por outro, são
suficientemente motivadores duma saída dos melhores para outras paragens menos
inóspitas.
Em cima disto tudo, o “administrativismo” instalou-se no sector público
empresarial, deslocando uma boa fatia do orçamento hospitalar para essa área,
com prejuízo óbvio da área clínica. Com a ânsia de ganhar dinheiro – parece ser
o único aspecto que foi implementado em muitos dos “empresarializados” – os
gestores lá colocados multiplicaram os que fazem contas mas negligenciaram os
que produzem, isto é, os que tratam os doentes, o sector produtivo da empresa.
Em vez destes serem estimulados, com prémios, com regalias, com mimos, com
condições de trabalho melhoradas – como os competidores privados fazem -
aqueles portam-se como capatazes e vigilantes, espremendo os trabalhadores para
produzir sumo sem laranjas.
Não sei se era isto o pretendido com esta nova forma de gestão hospitalar,
que para levar a esta situação acabou com as carreiras médicas. E este é outro
problema de difícil resolução. Mas foi o que foi criado. A verdade é que
começam a existir condições para os médicos poderem escolher onde querem
trabalhar, onde se querem realizar profissionalmente, e o sector privado, onde
já existe em força, está a levar a melhor.
Artigo de 2007, in
Farpas pela Nossa Saúde, 2009, MinervaCoimbra
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