CARREIRAS –
- UM BEM INESTIMÁVEL OU UM INCÓMODO PARA O GOVERNO?!
É indesmentível e reconhecido por todos os médicos que
as Carreiras Médicas, de há mais de 30 anos para cá, estiveram na base da criação
e desenvolvimento do nosso Serviço Nacional de Saúde. E que foram elas que
permitiram a organização dos Internatos Médicos no nosso país, citados
internacionalmente como modelo. O êxito da Saúde em Portugal nos últimos 25
anos do século XX - em 2000 ascendemos ao 12º lugar mundial nessa área, com o
custo mais baixo entre os países europeus da CEE - assentou nesses três pilares
fundamentais, os dois últimos estruturalmente baseados no primeiro: carreiras
técnico-científicas, com progressão por concurso e provas dadas.
Mas a verdade também - cada vez mais evidente - é que
a forma de gestão hospitalar recentemente instaurada veio tornar as Carreiras
Médicas realmente inviáveis. O liberalismo absoluto na gestão dos hospitais
públicos EPE, com as administrações empossadas livres de fazerem os contratos
individuais de trabalho que quiserem e com quem quiserem, independentemente de
qualquer grau de diferenciação técnica que os profissionais possuam ou não, tornou
inútil e obsoleto todo o esforço para obter maior diferenciação
tecnico-profissional e assim subir na carreira. As nomeações para cargos
médicos de chefia também não têm de todo que ver com isso e são feitas por
critérios exclusivamente pessoais. É o “amiguismo” e o compadrio mais
descarados como critério tornado legal. As carreiras médicas deixaram de ter
aqui qualquer lugar.
Poder-se-ia pensar que esta situação foi criada
acidentalmente, por inépcia, sem ter sido tomada previamente em conta, e que a
hierarquização técnica, conducente por si mesma à formação e aperfeiçoamento
profissional contínuos, fundamentais na profissão médica, com provas públicas
obrigatoriamente prestadas, ponto fulcral no nosso Serviço Nacional de Saúde e
razão central do seu êxito, foi pura e simplesmente esquecida por um ministério
da saúde mal informado.
Mas depois começamos a olhar à nossa
volta e percebemos os ataques constantes e concertados, feitos duma maneira ou
doutra, às outras carreiras profissionais, e perguntamo-nos se terá sido
realmente sem querer. E vemos que nos hospitais, mesmo sem terem ainda acabado
oficialmente as carreiras médicas, para os lugares de director de serviço e de
departamento já são nomeados quem o conselho de administração acha, sem se ter
de maneira nenhuma em conta os graus de carreira, nem o trabalho feito e o
prestigio pessoal e profissional de cada um. É uma desierarquização total em
marcha acelerada, com destruição real das carreiras. Com todas as repercussões
negativas que facilmente se adivinham e só um cego não vê.
Mas a quem interessa esta desierarquização?
A destruição do poder intermédio, o afastamento dos
lugares técnicos de chefia de profissionais com opinião audível dentro das
instituições, torna seguramente mais fácil a gestão quando se quer implementar
algo que não é consensual, e é dificilmente aceitável, e ainda mais quando for
mesmo considerado tecnicamente errado pela maioria. Não só se tenta impedir que
opiniões contrárias sejam transmitidas oficialmente - principalmente se forem
cheias de razão e por isso difíceis de rebater - como todos ficam avisados que quem
quiser subir na hierarquia local não há como estar calado ou dizer sempre que
sim aos chefes empossados pelo poder político.
Por outro lado, o fim duma carreira técnico-profissional
permite que a cada momento possa ser contratado e introduzido no meio
profissional alguém sem a devida preparação e que não tenha percorrido o
caminho necessário para ser um profissional reconhecidamente competente. São os
que aterram de paraquedas no cimo da colina. Em vez das provas e dos concursos
próprios da ascensão numa carreira, ficamos com o “achismo” triunfante entre
nós: qualquer um pode achar que um qualquer é bom para um lugar, por mais
requisitos técnicos que não possua. São as carreiras profissionais substituídas
pelo carreirismo político.
Há com certeza gente interessada em criar esse “status
quo”, mas não é por certo o que mais interessa a um país que se quer
desenvolver e crescer, num mundo de tão grande competitividade. E que só se
pode conquistar realmente pela competência. Está nas mãos de nós todos zelarmos
para que o nosso país siga pelo caminho da competência, e abandone o do
oportunismo e do facilitismo.
2007, In Farpas pela nossa Saúde, 2009
2007, In Farpas pela nossa Saúde, 2009
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