sexta-feira, 3 de julho de 2020

É EXTRAORDINÁRIO!

Coimbra é uma cidade curiosa, para onde vim estudar aos 17 anos, onde fiquei e onde nasceram os meus filhos, que também cá estudaram e ficaram. Curiosa, porque nunca foi uma cidade grande mas foi capital do Reino. Quer dizer, teoricamente ainda é, porque a mudança para Lisboa, acompanhando a conquista do território aos árabes, nunca foi definida em lei. E curiosa porque, não sendo uma cidade grande, e já na altura menor que Lisboa, “sede de muitas e desvairadas gentes”, um rei brilhante e de vistas largas, muito à frente do seu tempo, resolveu colocar nela a Universidade que criou, e uma das poucas que nesse tempo existiam no mundo.
Curiosa porque, desde essa altura, a cidade vive à sombra da sua Universidade, como “cidade universitária”, mas sem um entrosamento entre a instituição universitária e o resto da urbe. Antes com uma separação indelével entre estudantes e futricas, mostrando que a primeira foi implantada na segunda, a qual vive grandemente à custa dela mas pouco lhe dá, sendo certo também que a outra a usa quase só como uma localização e um nome.
E curiosa ainda porque, nestas condições, Coimbra alberga gente que se compraz em apoucar a sua cidade, e reduzi-la simbolicamente ao burgo em volta do edifício da Universidade, bastando à sua satisfação de conimbricenses um facto indiscutível: a cidade albergar a mais antiga Universidade portuguesa… Gente que não quer mais do que isso, porque mais exige esforço, capacidade, ambição, e para quê?!...
É curiosa, esta limitação de ambições, esta pequenez de vistas que se traduz bem, nesses, no diminutivo “coimbrinhas”. Ao contrário dos habitantes das outras cidades que, não lhes tendo um rei, um dia, dado uma prenda, se esforçam agora por a sua cidade ser e ter o mais e o melhor possível.  
No entanto, é extraordinário como há em Coimbra gente que rema contra essa maneira de sentir e actuar e quer mais, e melhor, e se esforça para engrandecer a cidade, a par da Universidade e não escondida atrás dela, ou por ela! Gente com projectos ambiciosos, com visão, fazendo jus a outros que cá viveram e deixaram as suas marcas para o futuro. E que ainda são visíveis. Mas não é menos extraordinário que continue a haver a oposição a esses dos que vêem em Coimbra apenas uma capital de distrito sem nada que a distinga das outras, e sem direito próprio de ser mais do que isso no panorama nacional!
Como cidade universitária, Coimbra tem sido referência no Ensino e na Saúde. Falemos agora da Saúde, e de como é extraordinário que gente dentro dela a queira limitar e reduzir precisamente nessa área! Comparando-a com outras a nível de concelho (!), dizendo que nesse campo está sobredimensionada, que não pode nem merece ser mais do que as outras cidades da Região Centro!
É extraordinário que essa gente não perceba que na organização hospitalar há uma hierarquização com níveis de recursos crescentes, até aos Hospitais Centrais. E que se admite que deva haver um Hospital desses por cada milhão de utentes. Tendo a Região Centro cerca de dois milhões e trezentos mil habitantes, deverá ter pelo menos dois Hospitais Gerais Centrais. Que há 45 anos tem, centralizados em Coimbra. Como os da Região Sul estão centralizados em Lisboa e os da Região Norte no Porto. Três pontos de convergência no país, e não mais dadas as curtas distâncias no nosso território.
E porquê em Coimbra? Porque, não sendo uma cidade grande, continua a ser a maior da Região Centro. Com uma Universidade que é a segunda maior do país, apesar de, e mais uma vez, não ser uma cidade grande… Com uma Faculdade de Medicina grande, e várias outras Escolas ligadas à Saúde, bem como Institutos de Investigação nessa área. Portanto, com muitos profissionais de Saúde, muitos professores, alunos, formandos, doutorandos, internos, investigadores, na área da Saúde. E, logicamente, muitos doentes. O que implicará instituições em que todos esses profissionais trabalhem, e em que os doentes sejam estudados e tratados, com todos os recursos tecnológicos, desde os mais vulgares aos mais especializados, em Hospitais que são fim de linha e referência para os outros. Que outra cidade da Região Centro é assim?!  É extraordinário não perceber isto!
São precisos dois Hospitais Gerais Centrais na Região Centro. E já há. Não se fala em construir nenhum. Tentou-se fundir os dois num, por razões economicistas impostas pela UE, e é extraordinário não perceber que o resultado foi mau, com a Urgência atulhada de pacientes horas à espera, as intermináveis listas de espera para consultas, exames, cirurgias, incluindo de doentes oncológicos, contentores para albergar doentes, o assoberbamento de trabalho do pessoal num Hospital que se quer que seja o restante de dois! E´ extraordinário não se querer saber que as fusões de hospitais no nosso país produziram invariavelmente diminuição da quantidade e da qualidade da assistência médica, e redução do pessoal de saúde que se fixe no hospital e na cidade (o que, para quem se queixa que a população de Coimbra está a diminuir, será sem dúvida bom…).
É extraordinário que falem em sobredimensionamento hospitalar em Coimbra quando, não sendo uma cidade grande, já vai com seis clínicas privadas (os hospitais do SNS estão a mais porque incomodam as clínicas privadas?!)…  número atingido depois da fusão dos dois hospitais públicos que quase destruiu os dois, e aproveitando-se dela… e que, nove anos depois, trouxe a população às ruas protestando pela assistência médica hospitalar na cidade...
Curiosa esta cidade, sem dúvida. Para onde eu e muitos outros viemos trabalhar e viver, e ter e criar os nossos filhos, e queremos que muitos outros venham e fiquem. Mas que alberga dentro de si quem se queixe mas na verdade não queira isso. Quem se esforce para que ela não cresça e ocupe o lugar de destaque no País para o qual continua a ter condições. Fazendo oposição aos que querem. Vamos esperar que estes, os que não são coimbrinhas, persistam, e façam Coimbra crescer e continuar o destino que D. Dinis e outros depois dele apostaram para ela.
In Diário As Beiras, 2 de Junho de 2020

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