quarta-feira, 29 de abril de 2020

COIMBRA, A EPIDEMIA E O FUTURO

A pandemia de covid-19 atingiu os países do primeiro mundo e pôs-lhes os sistemas de saúde à prova. E a surpresa é que alguns se portaram bastante mal. As instituições, as organizações, os serviços, e as pessoas, só se sabe o que valem quando postos sob pressão. Como um cirurgião é testado nas situações imprevistas de maior complicação e dificuldade, o sistema de saúde dum país tem de se mostrar capaz de reagir adequadamente a momentos inesperados de emergência sanitária. Por outras palavras, ambos têm de estar preparados para essas eventualidades. E espera-se que das situações de stress e aperto possam retirar ensinamentos para o futuro.
O maior problema com uma epidemia é que há necessidade de repente de mais recursos clínicos do que no dia a dia habitual. Nesta, muitos doentes necessitam de internamento hospitalar, e os mais graves de suporte em cuidados intensivos, os quais deverão estar disponíveis para todos os que para eles tenham indicação. Por isso, a maior dificuldade nos países mais atingidos foi a falta de camas e de cuidados intensivos, significando estes o pessoal e material de que precisam e não só ventiladores. Houve necessidade nalguns de construir hospitais de raiz, ou montar hospitais de campanha, ou tendas, ou de se reservarem para o Estado clínicas particulares. E alguns houve em que isso não foi suficiente, e tiveram de se ajustar os doentes aos ventiladores, e não ao contrário, ficando não poucos de fora, com as respectivas consequências.
Acontecem essas situações trágicas quando se vai reduzindo a capacidade instalada a um mínimo, ao suficiente diário constantemente diminuído pelos doentes que vão saindo para  as listas de espera, e que serão estudados ou tratados quando e onde puderem ser, e não quando devem e no próprio hospital. Nessas condições, um afluxo maior de doentes agudos que não se compadeçam com espera, e o hospital pode colapsar.
Em Coimbra, apesar de no CHUC se ter vindo a assistir nos últimos anos a uma redução drástica de pessoal e de camas,  registou-se o facto feliz de continuar a haver dois Hospitais Gerais Centrais e, por isso, se ter podido reservar um deles, o Hospital dos Covões, para ser o hospital de referência para a covid-19.  Rapidamente ele se encheu de doentes com essa doença, nas enfermarias e na Unidade de Cuidados Intensivos, com apoio do Laboratório, da Urgência, da Diálise, do Rx, da TAC, da RMN, da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários. Todos os doentes que lá estavam internados, doutras especialidades, tiveram alta ou foram transferidos, e muitas camas que por lá havia encerradas acabaram por ter de ser abertas e ocupadas também. Desse modo o outro Hospital, o HUC, ficou com a possibilidade de continuar a receber, observar e tratar doentes doutros foros, nomeadamente os que do ponto de vista clínico não possam esperar sem colocar a sua vida em perigo.
Então agora questione-se, e equacione-se a resposta para o futuro: e se o Hospital dos Covões não existisse como Hospital Geral Central e tivesse passado a ser outra coisa qualquer? Como teria sido a resposta de Coimbra? Hospitais de campanha? E o único Hospital invadido por doentes infectados, urgência bloqueada, cuidados intensivos esgotados, blocos operatórios fechados, diálise lotada, imagiologia parada? A Saúde em espera? E sem folga nenhuma se a pandemia continuasse a crescer?
Pois é preciso que Coimbra, desta situação de stress e aperto, consiga retirar ensinamentos para o futuro. Que não sejam esquecidos por quem de direito.
E da mesma maneira no resto do País. E no SNS.
In Diário As Beiras, Coimbra, 29 de Abril, 2020

Sem comentários:

Enviar um comentário