COIMBRA,
A EPIDEMIA E O FUTURO
A
pandemia de covid-19 atingiu os países do primeiro mundo e pôs-lhes os sistemas
de saúde à prova. E a surpresa é que alguns se portaram bastante mal. As
instituições, as organizações, os serviços, e as pessoas, só se sabe o que
valem quando postos sob pressão. Como um cirurgião é testado nas situações
imprevistas de maior complicação e dificuldade, o sistema de saúde dum país tem
de se mostrar capaz de reagir adequadamente a momentos inesperados de
emergência sanitária. Por outras palavras, ambos têm de estar preparados para
essas eventualidades. E espera-se que das situações de stress e aperto
possam retirar ensinamentos para o futuro.
O
maior problema com uma epidemia é que há necessidade de repente de mais
recursos clínicos do que no dia a dia habitual. Nesta, muitos doentes
necessitam de internamento hospitalar, e os mais graves de suporte em cuidados
intensivos, os quais deverão estar disponíveis para todos os que para eles
tenham indicação. Por isso, a maior dificuldade nos países mais atingidos foi a
falta de camas e de cuidados intensivos, significando estes o pessoal e
material de que precisam e não só ventiladores. Houve necessidade nalguns de
construir hospitais de raiz, ou montar hospitais de campanha, ou tendas, ou de
se reservarem para o Estado clínicas particulares. E alguns houve em que isso
não foi suficiente, e tiveram de se ajustar os doentes aos ventiladores, e não
ao contrário, ficando não poucos de fora, com as respectivas consequências.
Acontecem
essas situações trágicas quando se vai reduzindo a capacidade instalada a um
mínimo, ao suficiente diário constantemente diminuído pelos doentes que vão saindo
para as listas de espera, e que serão
estudados ou tratados quando e onde puderem ser, e não quando devem e no próprio
hospital. Nessas condições, um afluxo maior de doentes agudos que não se
compadeçam com espera, e o hospital pode colapsar.
Em
Coimbra, apesar de no CHUC se ter vindo a assistir nos últimos anos a uma
redução drástica de pessoal e de camas, registou-se o facto feliz de continuar a haver
dois Hospitais Gerais Centrais e, por isso, se ter podido reservar um deles, o
Hospital dos Covões, para ser o hospital de referência para a covid-19. Rapidamente ele se encheu de doentes com essa
doença, nas enfermarias e na Unidade de Cuidados Intensivos, com apoio do
Laboratório, da Urgência, da Diálise, do Rx, da TAC, da RMN, da Unidade de
Cuidados Intensivos Coronários. Todos os doentes que lá estavam internados,
doutras especialidades, tiveram alta ou foram transferidos, e muitas camas que
por lá havia encerradas acabaram por ter de ser abertas e ocupadas também.
Desse modo o outro Hospital, o HUC, ficou com a possibilidade de continuar a
receber, observar e tratar doentes doutros foros, nomeadamente os que do ponto
de vista clínico não possam esperar sem colocar a sua vida em perigo.
Então
agora questione-se, e equacione-se a resposta para o futuro: e se o Hospital
dos Covões não existisse como Hospital Geral Central e tivesse passado a ser
outra coisa qualquer? Como teria sido a resposta de Coimbra? Hospitais de
campanha? E o único Hospital invadido por doentes infectados, urgência
bloqueada, cuidados intensivos esgotados, blocos operatórios fechados, diálise
lotada, imagiologia parada? A Saúde em espera? E sem folga nenhuma se a
pandemia continuasse a crescer?
Pois
é preciso que Coimbra, desta situação de stress e aperto, consiga
retirar ensinamentos para o futuro. Que não sejam esquecidos por quem de
direito.
E
da mesma maneira no resto do País. E no SNS.
In Diário As Beiras, Coimbra, 29 de Abril, 2020
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