quinta-feira, 23 de abril de 2020

.OS VELHOS, A MEDICINA E A MORTE

A propósito da maior mortalidade dos velhos nesta pandemia de covid-19, e de, por isso, uns quererem resguardá.los, e outros acharem que se morrerem, paciência, não fazem mais do que o esperado.... lembrei.me duma história, verídica, que vou contar.
Na Urgência do Hospital dos Covões, um dia, recebemos um velho de 92 anos com um abcesso hepático, provocado por uma espinha de bacalhau que lhe atravessara a parede do estômago, espetando-se no fígado. A entrar em choque séptico, a arder em febre, havia absoluta urgência em ser operado. E foi isso que os cirurgiões se aprestaram para fazer... apesar dos seus 92 anos... Mas ele não queria! Queria lá ser operado! Não queria! Os colegas, em desespero, chamaram-me para expor o caso e ao mesmo tempo tentar convencê-lo. E eu entrei a matar com ele: "Oiça, se o senhor não for operado, morre!". O velho olhou para mim de repente, empertigou-se no leito, afogueado, febril, já a entrar em confusão mental, e respondeu: "Olha pra este! Hás-de morrer primeiro que eu, ouviste?".
Acabou por ser operado, depois de quase perder a consciência, e obtido o consentimento da família que o levara ao Hospital e ansiosamente esperava na Urgência, Correu tudo bem, e teve alta curado dez dias depois.
Quanto à profecia que me atirou, não sei... Para já vou-me aguentando... mas ele se calhar também.

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